08 agosto 2005

NÃO é LEGAL.



Basta aproveitar um desses maravilhosos dias de sol em Londres e andar de um lado a outro da Oxford Street para constatar o óbvio: a cidade está, mais do que nunca, repleta de brasileiros. Muitos deles são turistas ou estão trabalhando legalmente, mas há uma imensa parcela que resolveu apostar no incerto, trabalhando e vivendo sem visto na capital do Reino Unido.

Os imigrantes ilegais, depois da dura missão de passar pelo Immigration Office, no aeroporto, geralmente montam repúblicas formadas apenas por compatriotas, a maneira mais barata de se hospedar na capital britânica. Essas casas também servem como uma forma de facilitar a adaptação ao país estrangeiro.

Só quem passou por essa experiência sabe o quanto é difícil a vida do imigrante ilegal. Pra saber mais sobre isso, entrevistamos um grupo – a maioria vindo de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul – que montou uma república no sudeste de Londres. Os nomes dos entrevistados não são necessariamente seus nomes verdadeiros.

Dívidas

Na casa moram, atualmente, oito pessoas. Cinco são de Campo Grande e os demais de outras partes do país. Todos eles saíram do Brasil desanimados com as poucas perspectivas de trabalho e os baixos salários e estavam à procura de um futuro melhor ganhando em libras. Os primeiros a chegar de Campo Grande foram Oscar e André, em novembro de 2001.
“ Fomos até a Irlanda e de lá pegamos um navio pro sul do Reino Unido. Era esse o esquema da época pra burlar a imigração”, conta Oscar. Hoje a rota é outra, segundo ele:

“ O melhor hoje é ir pra Paris e de lá pegar o último Eurostar, quando já não há quase fiscalização”.

Todos eles são pessoas simples que tiveram que contrair muitas dívidas pra conseguir viajar e realizar o sonho de batalhar a vida em um país de Primeiro Mundo. Oscar vendeu o carro da avó e seu próprio carro pra comprar a passagem: “Vendi o meu passado inteiro”, diz ele.

André, além de também vender o carro, financiou a passagem em 12 vezes. Demorou 6 meses em Londres pra pagar todas as dívidas.

Hoje, mais de dois anos depois da viagem, eles estão em situação mais cômoda. André trabalha em um restaurante e Oscar está no ramo de construção civil, mas também ganha dinheiro hospedando recém-chegados nas casas em que aluga.

Saudades

A vida para esses imigrantes ilegais muitas vezes é bastante dura. Preocupados em economizar uma quantia que em Londres não vale tanto, mas que no Brasil é preciosa, eles muitas vezes deixam de se divertir em nome dos seus objetivos. As poucas folgas são aproveitadas em casa mesmo .Viagens para outros países europeus, nem pensar, principalmente por causa do problema da imigração, na volta.

“ A vida aqui é muito triste, sinto saudades da alegria do Brasil, dos churrascos. Ninguém aqui parece confiável, tudo gira muito em torno do dinheiro. Sempre tem alguém querendo te passar a perna”, acha André.

“ Tenho muitas saudades da minha família e da minha filha. Pretendo ir pra lá esse ano, mas acabo arriscado a não conseguir voltar”, conta Oscar.

Miami x Londres
A alagoana Mariana, outra hóspede da casa, chegou há pouco do Brasil. Ela tem a experiência de ter morado um ano e meio em Miami, o que segundo ela ajudou muito na hora de passar pela imigração. Em pouco tempo em Londres, ela já conseguiu emprego e está plenamente adaptada à “Miami européia”.

“ Não senti muita diferença em relação ao lugar que morei nos EUA, a não ser o clima”, diz ela. “As pessoas lá também são mais alegres, mas eu prefiro o jeito de ser do povo daqui”.

Mariana, assim como os demais, também teve que investir bastante na sua viagem. Graças ao dinheiro conseguido em um acordo de demissão, no Brasil, e a um parcelamento em 10 vezes, ela conseguiu chegar a Londres.

Dinheiro fácil?

Entre os personagens da casa, um em especial chama a atenção. Samuel chegou do Brasil no começo de 2004 com a ajuda do pai e, sem conseguir opção melhor, começou a fazer programas: “Nunca tinha feito isso no Brasil e nunca em minha vida pensei que ia ter que fazer sexo por grana, mas não tive opção. Meu visto é de turista e eu não posso trabalhar”, conta Samuel. Ele diz que, hoje em dia, devido ao aumento da fiscalização, é muito difícil conseguir emprego sem um visto apropriado. “A imigração está em toda parte e as empresas, bares, clubes e lojas são mais rigorosos na hora da contratação. E não pense em fazer carteirinha falsa, pois agora eles estão checando”, recomenda.

Sobre as dificuldades do seu trabalho, Samuel brinca: “Como diz um amigo meu, na hora é só pensar na cara da rainha nas notas”. Ele diz ter escolhido Londres por ser uma cidade gay, pelo clima frio e por ter amigos morando na capital. O lado bom da sua história: Samuel diz ganhar em média R$ 11 mil por mês.

Voltar jamais!

Apesar da vida dura de muito trabalho, saudades, poucas folgas e pouca diversão, esse pessoal não pretende voltar em definitivo ao Brasil nunca mais. Todos eles pretendiam voltar depois de alguns anos, mas acabaram mudando de idéia. Não dá mais pra se acostumar aos padrões de salários do Brasil.

“ Dos que vêm fazer a vida aqui, 80% não voltam”, diz André. “Lá a gente só gasta. Aqui consegue juntar”, concorda Oscar.

Para terminar, o experiente Oscar dá um recado para brasileiros que pretendem seguir os seus passos: “Os brasileiros têm que tomar cuidado com os picaretas que vendem pacotes no Brasil incluindo emprego garantido em Londres. Já cansei de ver muitos deles chegando aqui e tendo que pedir ajuda porque foram enganados e não têm mais dinheiro para se manter”.

Segundo Oscar, esses “pacotes” costumam custar no mínimo US$ 800, pagos ainda no Brasil e sem nenhuma garantia. Aceitar propostas como essas é muito arriscado.

E ele ainda dá outra dica: “Venham com dinheiro para pelo menos um mês. Trabalho aqui é o que não falta, mas reservas de dinheiro para o começo são sempre bem vindas”.

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